O dia em que a humanidade alcançou o conhecimento total (Conto, 2023)

 


Chegou, como inexoravelmente haveria de chegar, o dia em que se concluiu o vetusto e edênico projeto humano de ser como Deus.

A fruta foi deglutida e a Torre concluída.

Naquele dia, o último detalhe sobre a última dúvida foi sanado. Nada mais havia de incerteza sobre questões como o início e o desenvolvimento do Universo, o surgimento do primeiro ser vivo, a maneira como a evolução biológica agiu em cada ramo da árvore da vida, a origem e a natureza da consciência e o modo como cada letra do imenso livro dos códigos genéticos opera individualmente e em comunhão com todas as outras. Compreendeu-se também todas as forças por trás da matéria e da energia e como elas se relacionam. Tudo o que se poderia conhecer já era conhecido em demasia e perfeição: cada processo, por mais sutil que seja, de cada corpo, de cada espécie, de cada paisagem… cada emoção, cada doença, cada síndrome, cada fenômeno atmosférico, astronômico ou tectônico… absolutamente tudo, toda a física, toda a química, toda a biologia e todas as possibilidades de comportamento e organização de seres humanos, enfim, tudo sobre tudo. Sabíamos tudo.

Eliminamos, finalmente, a angústia do mistério.

Nesse dia, sem previsões, sem ciência, sem artigos em revistas qualificadas, sem debates acadêmicos e sem alarde, sem fogo, sem estrondos, como o fechar desinteressado de um livro irrelevante em mais uma noite banal de uma sucessão de noites banais, Deus, em um milissegundo, apagou o Universo.

O Nada voltou a reinar.

Com ele, toda a grandiosidade da incognoscível paz sem forma.


Dennis Zagha Bluwol, abril/2023


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