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Relativismo e absolutismo moral: fronteiras e meandros (2022/2024)

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  Relativismo e absolutismo moral: alguns meandros Partes 1, 2 e 4: 2022 Parte 3: 2024 1 - Relativismos morais Muito se fala atualmente sobre certo relativismo moral dominante em nossa cultura, significando que, não havendo uma referência moral obrigatória, é comum que a moral seja extremamente variável, fluida, volúvel, de modo que os indivíduos tendam a alterar seus julgamentos sobre quais atitudes seriam corretas dependendo do caso, do momento, dos objetivos almejados com cada ação, dos desejos momentâneos ou mesmo de quem está sendo julgado (por exemplo, alguém do mesmo campo político poderia fazer coisas que pessoas de outro campo não poderiam fazer sem serem acusadas de imorais). Tal acusação - a presença massiva de um relativismo moral em nossa sociedade - é normalmente realizada por membros de tradições religiosas ou pessoas identificadas com alguma linha do conservadorismo. A crença dos acusadores, na maior parte dos casos, é que a religião daria bases morais mais sólida

Tradição e Moralidade (2018/2024)

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   Tradição e Moralidade Parte I: simulacros éticos (2018)   O papel das tradições em nossos comportamentos individuais e coletivos é comumente e constantemente um ponto de tensões. Por um lado, é por via das tradições que aprendemos o que a humanidade já construiu, já pensou e já viveu. Por outro lado, as tradições podem manter vivas uma série de comportamentos reprováveis - e por vezes nefastos - que poderíamos já ter abandonado caso eles não fizessem parte de “pacotes” de ideias tradicionalmente estabelecidos. É importante para qualquer ser humano conhecer os caminhos pelos quais nossa espécie já caminhou, apropriar-se deste histórico e deixar-se influenciar pelas conquistas intelectuais, morais e materiais dos milhares de anos de história documentada. Contudo, é preciso haver cuidado para não se dogmatizar as tradições, de forma que o simples fato de algo ser tradicional o torne sagrado, inquestionável ou obrigatoriamente valoroso. Há enormes perigos morais quando tradições

Sobre a experiência do sobrenatural: a busca pela ética

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  Preocupar-se com a ética é se preocupar com a correção de nossos atos. Preocupar-se com a correção de nossos atos é, primordialmente, preocupar-se com o modo como eles podem gerar sofrimento para outros seres e com os impactos de nossos atos aos ambientes que possibilitam a qualidade de vida de todos os seres. As preocupações de ordem ética são, portanto, de natureza diversa das preocupações estritamente ligadas à sobrevivência. O foco na sobrevivência, imperativo na ordem natural, dita a preponderância dos atos básicos da sobrevivência (se alimentar, reproduzir-se, competir por território ou poder) sobre quaisquer outras atitudes. Na prática, isso significa que, virtualmente, tudo é válido na busca da própria sobrevivência, independentemente dos prejuízos e sofrimentos impostos por tal busca a outros seres. Eis um resumo da lógica natural. A ética, ao limitar o escopo válido de nossas ações, mesmo que isso prejudique aspectos de nossa própria sobrevivência, transcende em nós

A Revolução da Lâmina (Pseudohaikai, 2023)

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  A REVOLUÇÃO DA LÂMINA INTRINSECAMENTE SUBVERTE O ANIMAL CONTIDO

O dia em que a humanidade alcançou o conhecimento total (Conto, 2023)

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  Chegou, como inexoravelmente haveria de chegar, o dia em que se concluiu o vetusto e edênico projeto humano de ser como Deus. A fruta foi deglutida e a Torre concluída. Naquele dia, o último detalhe sobre a última dúvida foi sanado. Nada mais havia de incerteza sobre questões como o início e o desenvolvimento do Universo, o surgimento do primeiro ser vivo, a maneira como a evolução biológica agiu em cada ramo da árvore da vida, a origem e a natureza da consciência e o modo como cada letra do imenso livro dos códigos genéticos opera individualmente e em comunhão com todas as outras. Compreendeu-se também todas as forças por trás da matéria e da energia e como elas se relacionam. Tudo o que se poderia conhecer já era conhecido em demasia e perfeição: cada processo, por mais sutil que seja, de cada corpo, de cada espécie, de cada paisagem… cada emoção, cada doença, cada síndrome, cada fenômeno atmosférico, astronômico ou tectônico… absolutamente tudo, toda a física, toda a química, toda

Veganismo: da natureza para a ética

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Somos animais. Assim sendo, desde nossa origem neste planeta, tentamos sobreviver enfrentando diariamente a luta pela vida. Com tal fim, aproveitando nosso aparelho digestório apto ao onivorismo, começamos a comer animais há mais de dois milhões de anos. Nada mais normal em uma natureza brutal estruturada sobre o ato de devorar aos demais para se manter vivo. Contudo, ainda que, do ponto de vista da manutenção do corpo, sejamos seres naturais, há algo que nos diferencia de outras espécies: algo que fez com que tenhamos começado a achar que não podemos obter nossas necessidades pegando objetos de pessoas que não os tenham nos dado, que não devemos satisfazer nossos desejos sexuais apenas pegando outras pessoas à força ou que não deveríamos matar outras pessoas apenas por fazerem parte de um grupo originário de outro território. A esse algo, costumamos chamar de ética. Derivada da mesma consciência privilegiada que gerou a ética, desenvolvemos também ciência sobre o mundo, e, neste proce

Paredes de vidro: os erros de Paul McCartney

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Paul McCartney (que, absurdamente, após décadas defendendo o vegetarianismo, nunca se tornou vegano) disse que se os matadouros tivessem paredes de vidro, todos seriam vegetarianos. Pois bem: muitos anos se passaram depois que isso foi dito e, apesar de os matadores não terem envidraçado suas paredes, a “quarta parede” caiu. Diversos filmes, amadores ou profissionais, expuseram com total crueza o que se passa atrás das paredes opacas. Nem seria mais preciso espionarmos de fora, através do vidro. Fomos levados para dentro dos matadouros. Nossas mentes puderam se conectar com a câmera-olho, de modo que estivéssemos lá, internamente, no calor e no terror da barbárie. Alguns humanos viram, refletiram e concluíram: o veganismo é uma necessidade ética para nossos tempos. A maioria, contudo, seguiu inerte, inabalada, e isso inclui parte substancial daqueles que também viram. A realidade é que as paredes poderiam ser de vidro, os abatedouros poderiam ser em praças públicas, ou mesmo na cozinha