A centralidade da geografia e da história no processo educativo (2021)



          No imaginário comum, é costumeiro se valorar as disciplinas escolares com diferentes pesos: português e matemática no topo, inglês e ciências no meio, geografia e história abaixo e educação física e artes como algo paralelo, quase fora do propósito da escola, ou seja, apenas como momentos de descontração.

          Tal hierarquia deriva de certas visões sobre o papel da escola e sobre qual modelo de humano/trabalhador desejamos e, ao mesmo tempo, é uma ferramenta para moldar as pessoas para o tipo de mundo que cunhou tais visões.

          Para refletir sobre essa hierarquia, pensemos um pouco sobre quais dimensões de nosso desenvolvimento pessoal deveriam ser fundamentais. Tenho certeza que entre elas estaria perceber o mundo de modo cristalino e lúcido.

Em outras palavras, é essencial que consigamos perceber a nós mesmos e aos demais seres e objetos - ao mundo -, com riqueza de detalhes e nuances, assim como que consigamos organizar tais dados percebidos de modo racionalmente concatenado, possibilitando a obtenção de significados válidos.

          Tais habilidades fundamentais do desenvolvimento humano dizem respeito ao modo como percebemos as paisagens e, portanto, de modo relacional, como percebemos nossa espacialidade no conjunto da espacialidade do mundo e, as significando, entendemos suas características territoriais e regionais (entendo que uma região é um recorte territorial de acordo com certo critério, o que ressalta certo sentido, certo significado para tal lugar). Trata-se, portanto, basicamente, das habilidades básicas a serem desenvolvidas pelo ensino de geografia.

          Tais paisagens, espacialidades, territorialidades e regiões só podem ser bem entendidas, porém, se forem também observadas do ponto de vista de suas mudanças, em sua impermanência, ou seja, considerando a temporalidade envolvida em suas configurações. Assim sendo, somam-se às habilidades geográficas as habilidades desenvolvidas pelo ensino de história.

          Em suma, a base do processo educacional, agora não mais no sentido de estar em um nível hierárquico mais baixo do que aquilo que estaria no topo, mas por ser o fundamento de tal processo, é o desenvolvimento das habilidades relacionadas ao espaço e ao tempo, ou, mais corretamente, ao espaço-tempo - à espaço-temporalidade da existência.

          Assim sendo, a geografia e a história, disciplinas menosprezadas em nosso imaginário pedagógico, tornam-se, em realidade, centrais em tal processo.

          São elas que, se bem entendidas - e isso depende de bons professores -, podem nos ajudar a configurarmos o modo como nos relacionaremos com o mundo, entendendo nossa existência como parte de uma teia de relações espaciais e temporais da qual somos resultado e, ao mesmo tempo, alteramos.

          A importância do desenvolvimento das habilidades centrais do ensino de geografia e história, contudo, vai ainda além, sendo tais habilidades fundamentais também para o bom aprendizado das demais disciplinas escolares. Óbvio: a espacialidade e a temporalidade são fundamentos de tudo o que existe.

Pensando em disciplinas específicas, mas sem aprofundar o assunto, podemos reconhecer que ser hábil em perceber a espaço-temporalidade e ordená-la mentalmente é essencial para: (a) a escrita, pois é preciso que o escritor reconheça e planeje sua ordem espacial, sem a qual não há como construir um texto com sentido; ainda, o conteúdo do texto possui uma ordem temporal, obrigatória para o sentido da narrativa ou da argumentação. (b) Na matemática, o mesmo acontece. Faz-se necessário ordenar espacialmente as contas, assim como entender a lógica dos problemas, ou seja, relações sucessivas e de causa e efeito. (c) Nas ciências, as relações entre causas e consequências, fundamentais para tais áreas do conhecimento, são obrigatoriamente relações espaciais e temporais: algo sucede algo, algo relaciona-se com algo alterando as paisagens, as formas, os processos. Não há como entender os processos naturais, em qualquer ordem de grandeza, sem entender onde cada elemento do processo encontra-se, como ele se relaciona com os demais elementos e o que ocorre em decorrência (tempo) desse encontro.

          Dadas as discussões acima apresentadas, conclui-se que, para além dos conteúdos específicos do ensino de geografia e de história, é imprescindível que seus professores tenham em mente o grau de importância das habilidades cognitivas a serem trabalhadas nessas disciplinas. A lida com a espaço-temporalidade é essencial tanto para nossa formação como humanos (para o modo como nos relacionamos com outros humanos, com outras formas de vida e com o mundo como um todo), quanto para um bom processo educativo em todas as áreas do conhecimento.

Entender bem ao mundo e aos nossos lugares nessa imensa miríade de relações é essencial para que possamos não apenas entender tal rede, mas nos relacionarmos “com” ela - fazendo parte dela - da melhor forma possível.

Há, portanto, uma imensa grandeza ética no coração da educação e, considerando que a geografia e a história trabalham fundamentalmente com a rede básica de tudo o que existe, a rede do espaço-tempo, há também, além do crucial papel cognitivo, acima apontado, um imenso papel ético no ensino dessas disciplinas.

Faz-se necessário, assim, que a geografia e a história sejam revalorizadas e possuam um lugar de centralidade no diálogo pedagógico e na estruturação dos currículos, sendo entendidas como fundamentos de bons processos educativos e, na condição de disciplinas fundamentais para o bom desenvolvimento das demais, como possibilitadoras de verdadeiros diálogos interdisciplinares.

Entendamos bem: a proposta aqui apresentada não coloca a geografia e a história em nível superior às demais disciplinas, mas as eleva em relação à compreensão em voga. A geografia e a história fornecem fundamentos perceptivos e cognitivos para a ordenação de todo o conhecimento, mas as habilidades trabalhadas com mais ênfase em outras áreas do conhecimento, como a escrita, a leitura, a lógica e o uso de nosso aparato sensorial e de nossa motricidade, aprimoram imensamente nossa existência, incluindo, de forma interdependente, o estudo geográfico e histórico.

Portanto, ainda que não devamos entender a geografia e a história como hierarquicamente superiores às demais disciplinas, podemos reconhecê-las como elementos que, ao trabalharem com os fundamentos espaço-temporais de toda a realidade, podem aglutinar as disciplinas em um projeto pedagógico coeso, coerente e interdisciplinar. 

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