Ecoveganismo, política e economia


O presente ensaio visa tecer conexões entre a visão de mundo ecovegana, a política e a economia, partindo do pressuposto de que devemos superar tanto o ponto de vista individualista quanto o coletivista. Ainda, ele reflete sobre a moralidade presente na relação entre política e economia.


1 - Ecoveganismo como fundamento da política

A proposta ecovegana une a defesa do veganismo (não escravização e exploração dos animais não humanos) com a preocupação com o espaço vital destes indivíduos, ou seja, seus ambientes. Trata-se, portanto, de uma ética não focada nem apenas nos indivíduos, nem apenas nos seus ambientes, ou seja, nem uma defesa do individualismo, em que para se cumprir interesses individuais passa-se por cima dos interesses de todos os outros, indivíduos ou coletividades, nem uma defesa de cosmovisões coletivistas, nas quais os indivíduos são anulados.

O fato de que tanto o individualismo imoral quanto o coletivismo imoral coexistam nas bases de nossa cultura mostra o quanto não são, em fundamento, tão díspares. Ambos são opressivos e violentos.

Quando o modo de vida de um (o que é necessário para a sua realização) não depende do uso, da opressão, da subjugação de outros, sua autonomia é majorada e a coletividade criada a partir daí pode ser mais saudável, respeitosa e justa. Um ser que se julga autônomo por fazer o que quer, dependendo para isso da opressão de outros, não é autônomo nem livre. É um escravo de si mesmo e gera um mundo de escravidão.

Compreender a vida a partir de princípios ecológicos/ecoveganos, indo-se além do ambientalismo padrão, é almejar um modelo de organização social e de produção econômica nem individualista nem coletivista, mas baseado na tentativa de construir um mundo de coletividades saudáveis formadas por indivíduos ao mesmo tempo autônomos e coexistentes. Ou seja, a orientação cosmológica da ética ecovegana é intrinsecamente relacional, complexa, e por isso não encalha em nenhuma das polaridades que estancam nossos padrões culturais e alimentam rentáveis guerras entre esquerdistas coletivistas e direitistas individualistas.

Ater-se aos princípios ecológicos da vida – tais como coexistência, impermanência e interdependência – é fundamental para se estabelecer uma política mais digna e respeitosa para os seres por ela afetados, ou seja, uma política mais virtuosa.

Nossa política deve, mais do que possuir preocupações ambientalistas, ser de fundamento ecológico, ou melhor, ecovegano.


2 – Ecoveganismo como fundamento da economia

Se queremos realmente uma sociedade melhor, ela não pode ser pautada apenas pelos interesses puramente econômicos das pessoas, sejam elas da elite econômica ou da base da pirâmide social.

As relações econômicas, da produção ao consumo, assim como as linhas mestras da política de um povo, devem ser baseadas em princípios éticos e ecológicos. Por exemplo: não é porque a pecuária possui presença central na economia brasileira que deve ser impulsionada, se é um erro crudelíssimo e escravocrata, além de responsável por muitos e pesados impactos ambientais.

 Entendendo a economia como a troca do resultado da criatividade humana, se almejamos uma sociedade eticamente aceitável, tais trocas devem expressar-se da mesma forma, tendo como base princípios ecológicos e éticos essenciais, tal como o é o veganismo.

A ideia de que toda a natureza encontra-se aqui apenas para nos servir de recurso deve ser superada, e nossa economia, como expressão de nossa cultura, deve expressar tal superação.


3 – Onde a política e a economia se chocam

Considerando que as pessoas não passarão por grandes mudanças de comportamento repentinamente, cabe então ao poder político e ao direito limitarem a amplidão das atividades econômicas, já que a política deveria possuir a sincera preocupação com tudo aquilo que é coletivo, com as normas que regem a possibilidade de coexistências saudáveis entre os participantes tanto do jogo social quanto das relações ecológicas das quais fazemos parte.

Como a política deveria ser a arte de possibilitar a coexistência, de forma que nem os indivíduos sejam oprimidos pela coletividade, nem a coletividade seja sabotada por interesses individuais, por vezes ela precisará barrar interesses econômicos, mesmo que sejam de toda uma coletividade ou mesmo da nação como um todo.

Nem tudo o que gera rendimentos econômicos deve ser louvado, se tais atividades forem nefastas para a existência e a coexistência dos seres vivos e de seus ambientes.

É possível discutir até que ponto a política deve ou não deve limitar a economia no sentido de controlar parâmetros econômicos ou manipulá-la artificialmente, mas limites morais devem ser impostos e o respeito a eles deve ser exigido. A política deve impor à economia limites de caráter ético. 

 

4 – Liberdade econômica e liberdade moral

Não devemos demonizar as relações econômicas. A troca da produção humana não é, necessariamente, algo perverso. Grupos humanos podem alcançar padrões mais dignos de vida através da produção e da troca. Contudo, por mais liberdade que se possa defender aos indivíduos e suas trocas, certos padrões de moralidade nunca deveriam ser ultrapassados.

Por exemplo, se eu quiser oferecer meus serviços como assassino de aluguel, por mais que se defenda a liberdade de troca, devo ser proibido ou punido. Da mesma forma, se determinada atividade econômica gera tortura e assassinato de mais de um trilhão de seres sencientes por ano, mesmo que essa atividade esteja voltada para suprir uma real demanda dos consumidores, ela deve ser proibida ou punida. Nunca apoiada.

Como já argumentado acima, não é porque a pecuária possui presença central na economia brasileira que deve ser impulsionada pelo Estado ou festejada pelos pivôs de nossa economia. Se a pecuária é um erro moral crudelíssimo e escravocrata, deve ser barrada. Não há justificativas cabíveis para se passar por cima da moralidade por motivos econômicos. Defender isto seria um erro de mesma natureza que defender o retorno à escravidão humana se ela render mais lucro para algum setor econômico ou legalizar serviços como matadores de aluguel, tráfico de órgãos ou venda de filmes pedófilos caso haja uma grande demanda pelos consumidores.  O lucro nunca pode estar acima da moralidade.


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