Galactolatria e Ecoveganismo (2013)



Galactolatria e Ecoveganismo (2013)
Publicada na ANDA em 16 de abril de 2013

Neste último dia 11 de abril, graças aos esforços do GEDA, Grupo de Estudos de Direitos Animais, pude assistir novamente após, creio, quase quatro anos, uma palestra da filósofa Sônia Felipe.
Assistir uma palestra desta figura central na produção e divulgação de ideias ligadas à ética animal no Brasil revelou-se evento portador de dois pesos marcantes: um pelo conteúdo apresentado, obviamente – e isto será discutido logo abaixo –, o outro de teor emocional.
Explico: Sônia é figura presente nos caminhos de meu veganismo desde seu início, quase dez anos atrás, e esteve na organização, junto com alunos e orientandos seus, do primeiro evento em que palestrei sobre um tema ligado aos animais em 2006 na UFSC em Florianópolis (Semana pela Abolição do Especismo). A experiência de trocar com outros vegano e palestrar sobre o primeiro ensaio que havia escrito alguns meses antes [1], assim como os elogios de Sônia para minha apresentação, marcaram o rumo do que passei a dedicar muito de minha vida nos anos seguintes: escrever, palestrar e tentar divulgar o veganismo de diversas formas e em diversos lugares.
Esta palestra também possibilitou que tal primeiro texto fosse publicado no site da revista Pensata Animal , o que foi um grande estímulo para que eu seguisse escrevendo e publicando (e, no início de 2010, passei a publicar então na ANDA, na coluna “Ecoveganismo”).
Contudo, o que realmente importa no presente texto é que já nesse primeiro texto, preocupavam-me as conexões e as fronteiras do pensamento animalista, entendendo a ética animal como um elemento conectado em redes de conexões de ideias e problemáticas.
E é sobre conexões que o apreço à palestra de Sônia Felipe (e, logicamente, ao seu mais recente livro, sobre o qual a palestra se baseou) é fundado. Não foram poucas as críticas que recebi dentro do movimento vegano – especialmente até alguns anos atrás – ao fato de relacionar ética animal, ecologia, saúde, economia, modo de produção de mercadorias etc. sob o argumento de que misturar as coisas tiraria o peso do que realmente importa para o veganismo: a discussão ética. E eu, costumeiramente, tentava argumentar que discutir ecologia ou saúde é, também, uma discussão ética e, inclusive, uma questão de ética animal; que o uso de produtos industriais sem ingredientes animais que destroem ecossistemas naturais pode, sim, acabar sendo tão ou mais nocivo aos animais do que o dos produtos cujo uso os veganos já aboliram; que, enquanto animais, o consumo de lixo industrial que nos deixa doentes, com o corpo menos capaz, com a mente mais embotada, possui, sim, implicações éticas, inclusive alterando nosso poder de compreensão e decisão mais ou menos sábia frente às situações cotidianas.
Produtos industriais, destruição de ambientes, extração de matéria-prima, impactos à saúde, remédios, indústria de doenças, excrementos contaminados por medicamentos, contaminação do ambiente, contaminação de animais, destruição de ecossistemas, lixo doméstico, entupimento do mundo com resíduos e toxinas… É possível separar esses – e muitos outros – elementos das cadeias destrutivas? É possível separá-los do sofrimento dos animais deste planeta?
Eis aí a grande importância do pensamento ecológico, interdependente. E eis aí um alento que a palestra de Sônia Felipe representou para meus ouvidos. Uma grande voz da ética animal brasileira que não se priva da liberdade de dedicar parte considerável de seu pensamento às implicações do uso do leite – o que a autora nomeou de Galactolatria – à saúde humana e aos ecossistemas, sem que isto represente uma argumentação egoísta de vegetariano preocupado apenas com o tamanho de sua barriga ou a elasticidade de sua pele, nem as torpes preocupações do ambientalismo antropocêntrico. Saúde, ecologia e sofrimento dos animais estão intimamente conectados.
É este pensamento não fragmentado que venho tentando defender nestes últimos oito anos, desde meu primeiro artigo no mundo animalista (favor não confundir com certos tipos de holismo coletivistas embotadores das diferenças e das individualidades dos entes).
O “mundo” é o resultado momentâneo de infinitas inter-relações entre elementos impermanentes. Relação pura. A fragmentação que vê o mundo como objetos separados encontra-se em nossas mentes, em nossas redes de ideias: um modelo de pensamento analítico ao qual fomos educados, em torno do qual nossas mentes se estruturaram.
O problema da Galactolatria pode ser observado sob o viés de muitas de nossas dimensões de análise: sofrimento animal, saúde humana, destruição ecológica, soberania econômica, modelo civilizatório… E, em realidade, trata-se de uma única grande máquina de destruição. O pensamento exposto por Sônia Felipe contribui, assim, para o avanço da complexidade da reflexão animalista, sendo esta complexidade um princípio da visão de mundo ecovegana que meu trabalho procura defender.
Dennis Zagha Bluwol, 2013




[1] É possível encontrar duas versões deste artigo na internet. Uma, a primeira, chama-se “Reflexões sobre os movimentos “ambientalistas”, de “libertação animal” e “veganos” sob a ótica do conceito de “natureza” em tempos de capitalismo”, e outra, fruto de algumas revisões, chama-se “Críticas ao conceito de natureza, ao ambientalismo e ao veganismo em tempos de capitalismo”. Esta última versão encontra-se aqui no blog. As ideias centrais deste texto foram diluídas e reconstruídas no texto “Ética Libertária Interdependente”, escrito em 2009 e publicado na ANDA em 2010.

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