Compaixão ou “Queimando até Morrer” (2012)



 

 

A argumentação abolicionista (pró-libertação dos animais das amarras criadas para eles pela humanidade) buscou, nas últimas décadas, estabelecer teorias plenamente racionais, manifestando certa esperança de, assim, conseguir convencer a todos. Focamos na argumentação racionalmente perfeita construída sobre estruturas lógicas aparentemente impecáveis. Assim sendo, deixamos de lado alguns termos que já foram comuns na história do vegetarianismo, como a compaixão.

O que faz uma pessoa tornar-se vegana? Se fosse a simples compreensão dos argumentos lógicos, qualquer pessoa com habilidade cognitiva mediana, ao ser exposta a um panfleto vegano bem escrito, tornar-se-ia vegana, o que está muito longe de ser o caso. Os argumentos abolicionistas, parece-me, tocam aqueles que estão abertos para serem tocados. Há, neles, talvez, a presença de certos tipos de sensibilidade e de emoções.

Mas e os demais? Como gerar uma mudança comportamental razoavelmente profunda, como é o caso do veganismo, se nossos interlocutores não forem nem do tipo que age a partir de pensamentos lógicos, nem possuam uma sensibilidade apurada para sentir ojeriza à injustiça e à imposição de sofrimento a outros seres?

Uma possibilidade poderia ser que seria necessário se educar essas sensibilidades e emoções. Uma aposta, verdadeira, mas não necessariamente para todos os humanos, é que o raciocínio lógico e a investigação atenta das próprias emoções e dos cursos de nossos pensamentos podem gerar aprimoramentos até mesmo em nossos modos de sentir o mundo.

Vejamos um exemplo: recentemente, por algumas vezes me vi discutindo sobre o problema das queimadas, muitas vezes realizadas para a introdução de pastos em áreas de floresta. Nessas situações, além de comentar sobre problemáticas ecológicas oriundas de nossos modelos produtivos, tento sempre levantar que a questão não é puramente “ambiental”, abstrata. Trata-se de violência a seres concretos, individuais, que sofrem corporalmente e mentalmente em um cenário de horror ecológico.

Normalmente sinto que isso não passa de mais uma informação qualquer em ouvidos já massacrados pelo turbilhão de informações da urbana vida moderna. Desenvolvi então um caminho de argumentação para uma “educação emocional por conflito interno”. Pergunto: você já queimou a mão? Experiência humana comum, todos respondem positivamente. Retruco então: imagine então queimar até a morte. Imagine-se vivo, com o corpo em chamas, agonizando até o fim. É um pensamento que, de tão escabroso, é de difícil continuidade, tocando sentimentos muito profundos. É comum arrepios brotarem dessa suposição. Em seguida comento: em uma queimada, quantos animais, que sentem dor como nós, queimarão vivos até o fim? Milhares, milhões?

Esse tipo de argumentação é às vezes acusado de ser sensacionalista. Discordo. Em nada aumento o ocorrido. Em realidade, nem teria condições de expressar tudo o que se passa dentro de uma floresta durante uma queimada. O que digo é até, portanto, reduzido, simplista.

Encarar assim de frente o fato, a verdade da dor, parece-me um exercício fundamental para a construção de leituras de mundo mais profundas, mais atentas aos outros e a nós mesmos, que gerem percepções e ações menos violentas e mais respeitosas e generosas.

Reconhecer a dor do outro e tentar senti-la como se fosse nossa é a própria definição do termo “compaixão”. Compaixão não é um simples sentimentalismo, algo que a argumentação racional a favor do veganismo possa descartar ou menosprezar. Compaixão, por ser o exercício de ver a nós mesmos na dor do outro, é, também, um exercício de comparação e, portanto, um exercício da razão.

A boa razão, assim, modifica nossa percepção (do outro, do todo e de nós mesmos) e, dessa forma, pode modificar inclusive nossas emoções. A união de uma boa razão com emoções bem educadas pode servir como um princípio para uma boa ética e ações moralmente dignas.

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