Por que não sou verde?


 

Poucas coisas me parecem mais estranhas ao respeito que almejo em relação à natureza (esta ideia complicada) do que a defesa do verde.

O que se esconde por trás desta aparente beleza verdejante, desta onda verde, desta obrigação de verdejar a alma propagandeada pelo ambientalismo antropocêntrico que se encontra como alicerce de grandes ONGs, encontros, congressos e grupos famintos por verbas para oficinas de educação ambiental?

Por que “o verde”? Basta uma mínima olhadela com alguma atenção para o mundo e sua pluralidade de cores e seres para estranhar os discursos verdes.

Verde, nestes discursos, é meio ambiente, esta estranha abstração homogênea, tão irreal que pretensamente controlável, apta para nossa tutoria. Uma mancha verde no nada, quase uma pintura abstrata. Verde, certamente, não é o molusco, a ave defecando sobre nossas cabeças, o inseto que ousa zumbir em nossos ouvidos, muito menos a vaca no matadouro, a galinha na gaiola ou o rato na gaveta de um laboratório.

O mundo não é só verde e a natureza não se reduz a algo tão simplista como “meio ambiente”. O mundo – com o limite da difusa impressão que podemos obter de algo tão geral quanto “o mundo” – é a união de incontáveis processos de interdependência em incontáveis escalas, relacionados de incontáveis formas diversas. O verde é apenas mais uma cor, apenas uma escala de processos e cores em meio a incontáveis outras. É este pensamento ecossistêmico que, parece-me, deveria estar no fundamento do modo como nos relacionamos com o mundo. Em realidade, tal pensamento deveria estar nos fundamentos da própria delineação daquilo que concebemos por mundo e por nosso lugar nessa imensa rede de relações.

Quando vemos o mundo como puramente verde? Respondo: quando nos colocamos fora dele ou o vemos de cima. Se olhamos uma floresta de um avião, vemos, aí sim, aquela bela área verde. Se estamos dentro de uma floresta, também vemos muito verde (na verdade, muitos tons de verde), mas vemos os marrons, pretos, brancos, amarelos, laranjas, vermelhos.... Ainda, o mundo não é apenas floresta, é oceano, atmosfera, rochas, desertos, geleiras... nenhum destes com preponderância do verde.

Essa forma homogeneizadora de ver o mundo é de fundamento dominador. Ver o mundo como que de cima, como uma massa homogênea lá embaixo, não é apenas um dado posicional, mas expressa uma pesada e destrutiva relação de poder. Alguém cria um mundo - uma simulação de mundo - e outorga a si mesmo o poder de ser seu tutor.

Ah, então você é contra respeitar o verde?!”, poderiam acusar alguns ambientalistas com os dedos em riste... Não poderia eu ser contra respeitar o verde, desde que isso não signifique ignorar o marrom, o preto, o azul, o lilás ou mesmo aquilo cujas cores nossos específicos olhos humanos não conseguem perceber - átomos, moléculas, gases, relações... no limite, todo o espectro incolor e, para nós, invisível. E quanta variedade existe no invisível, em todas as incontáveis relações que são o fundamento da existência, em todos os infinitos processos que formam o que chamamos de natureza!

(É sempre bom lembrar que o que chamamos de “coisas” na verdade são momentos de processos, de relações. Coisificamos processos, que são, por natureza, insubstanciais e impermanentes... mais uma forma de dominação humana...).

Em que mundo vivem os que se apegam a um verde que exclui todo o não-verde (ou um defensor dos não-verdes que esquece os verdes)?

Dualismos de resultados nefastos... Dualismos próprios a gritos de guerra, bandeiras e preenchimento de editais, mas impróprios ao compartilhamento mais sábio do mundo.

Devemos estar sempre atentos a toda a variedade da existência para que o sofrimento de todos os seres sencientes nunca suma de nosso panorama mental. 

Pregar respeito ao ambiente dos seres e patrocinar a tortura e o assassinato de bilhões de seus habitantes, assim como os impactos ambientais imensos causados pela pecuária - que atingem inúmeros seres sencientes silvestres -, é de uma hipocrisia absurda. Assim, há um grande problema de fundamentos no ambientalismo não vegano. É preciso que o ambientalismo abandone seu sobrevoo sobre o "verde" e pouse no concreto mundo do sofrimento.


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