Feliz Era Nova (Conto, 2010)


Feliz Era Nova

Trinta e um de Dezembro de dois mil e doze. Hordas de jovens reúnem-se tristes em um famoso parque para tomar chá e pensar no que farão daqui para frente.
Há anos esperavam pelo fim. Crentes na chegada da Nova Era e no fim do calendário maia, esperaram o ano todo pelo fim do mundo, ou, ao menos – para os mais conformados – deste modo de ser do mundo, seja lá o que isso possa significar.
Todos possuíam algo em comum: com muito esforço libertaram-se das amarras dos dogmas católicos e das liturgias judaico-cristãs. Agora seguem apenas o que for indiano ou pré-colombiano.
Muitas tradições antigas possuem algumas palavras que são tidas como sagradas, muitas vezes passadas apenas a poucos iniciados. A maioria das pessoas da inesperada reunião no parque foi tocada pelas mesmas duas palavras, que possuem o poder de abrir suas portas de compreensão de verdades profundas que, como tais, não podem ser explicadas, apenas acreditadas. São palavras que, ao estarem associada a alguma ideia, fazem desta ideia uma verdade. Dadas as tendências coletivistas das pessoas por elas tocadas, deixaram de ser secretas e podem ser encontradas em qualquer meio de comunicação popular. São elas “oriental” e “milenar”.
Dois mil e doze era um ano há muito esperado. O momento em que o mundo se transformaria, passando por uma revolução espiritual, ou uma ascensão dos bons de espírito, ou algo assim.
Após bom tempo discutindo qual seria a dinâmica da reunião, as centenas de jovens reunidos fizeram uma dinâmica de abertura. Dez minutos de meditação, vinte minutos de yoga, dez minutos de silêncio. Pausa pro chá. Uma parte entoou Hare Krishna, Krishna Krishna, seguida por alguns ooooommmms e umas batidas em tambores indígenas.
Então chegou o momento crucial da reunião: o que fazer agora que o mundo não havia acabado? A tristeza era generalizada. A sensação de angústia era total. Não havia como explicar, por meios humanos, como um calendário feito pelos maias teria errado a data em que o mundo iria acabar ou que entraríamos em um novo estágio de evolução espiritual. Simplesmente não era possível... Hare Om... O que faremos?
Alguns acharam que a previsão não podia estar errada. Que o que estava errado era nossa contagem de tempo. Convencidos de que o dia ainda iria chegar, resolveram continuar na espera. Esse grupo ficou conhecido como “metacrentes”. Montaram uma comunidade em uma fazenda da família de um dos membros e foram para lá esperar o fim do mundo.
Outros saíram à francesa da reunião e viraram microempresários do ramo de livros e bugigangas espirituais.
Mas a maioria continuou perdida. Em uma roda de conversas, após uma saudação Cherokee, um jovem propôs que talvez o erro tenha sido deles mesmos, pois esperaram passivamente pela transformação. Deveriam, como possuidores deste sagrado conhecimento, agir em prol do fim. Deveriam ajudar a mãe Gaia. Os que já haviam se transformado livremente para ser aquilo que deve ser uma pessoa de espiritualidade avançada seriam juntados em grupos de irmãos. Os que continuavam em um nível baixo de existência seriam queimados em grandes fogueiras alimentadas pelo santo elemento fogo. As cinzas seriam postas em composteiras e devolvidas para Gaia.
De inicio gerou-se polêmica, mas a decisão por consenso era necessária. Justiça acima de tudo. Os que eram contra as queimadas foram julgados como “homens de baixa vibração”, e foram incluídos na ala da humanidade que não deveria mais existir nos novos tempos de alegria, amor e compaixão.
Assim sendo, por consenso, criou-se o primeiro exército de libertação da Nova Era, cujo papel era abrir caminho para a chegada da tão esperada paz.
Cantos e danças preencheram o resto do dia e da noite. Lentilhas, pulinhos em ondas, roupa branca e espumante deram o tom da noite pelo resto mundo.
Em meados de dois mil e treze, quando a página  do exército de libertação da Nova Era no Facebook já possuía milhares de membros, as primeiras ações libertárias foram iniciadas. Os novos messias davam o tom e a humanidade, feliz, trabalhava em conjunto na eliminação dos seres inferiores. Nunca antes havia a humanidade trabalhado junto em tão grande escala. Milhares de jovens pelo mundo davam a vida em nome da limpeza espiritual do universo. A alegria era sentida pelas ruas. Prédios esvaziados eram demolidos para a construção de centros de meditação e hortas de temperos.
O segredo da boa convivência é possuir objetivos comuns.
Em poucos meses, a Nova Era começou a dar sinais.

Dennis Zagha Bluwol,  2010


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