O veganismo independe de argumentos ambientalistas




Um dos eixos mais comuns de argumentação em defesa do vegetarianismo e do veganismo, no que se refere principalmente ao consumo de carnes, é o imenso impacto ambiental gerado pela pecuária. É um fato inquestionável. Os números são alarmantes. Contudo, vale ressaltar que mesmo que a pecuária resolvesse, magicamente, todos os impactos que gera, isso em nada diminuiria a obrigação moral de sermos veganos.

Não ter escravos não depende da quantidade de consequências adversas que este ato gera, mas sim do quão horrendo esse ato é.

Vale um exemplo: recentemente assisti a uma entrevista com um climatologista. Quando perguntado sobre as relações entre a pecuária e o aquecimento global (haja vista que os gases emitidos pelos animais, na concentração em que se encontram em criadouros, são associados ao fenômeno de forma até mais considerável que nossos meios de transporte e que parte considerável dos desmatamentos atuais possuem como objetivo abrir espaço para a criação de gado ou o plantio de cereais e grãos direcionados para a fabricação de ração para animais da pecuária), o entrevistado elencou, com a maior naturalidade, mudanças tecnológicas que diminuiriam a emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera, além de outros impactos ambientais. Uma delas: “aprimorar” geneticamente as rações e os animais para que cresçam mais rapidamente e possam ser mortos com menos tempo de geração de impactos. Outra: visando a diminuição da emissão do gás metano, seria possível que os animais ficassem confinados durante toda a vida em uma edificação fechada e todos os gases emitidos por eles seriam canalizados para a produção de energia.

Assistiríamos assim a imposição de mais confinamento e sofrimento para os animais. O público, possivelmente, julgaria tais medidas como positivas, já que o gado já é mundialmente reconhecido como um grande culpado pelo aquecimento global. Imagine poder comer seu bife sendo “ambientalmente correto”. Um prato cheio para o marketing e uma tranquilidade para consciências ambientalistas coletivistas.

É preciso atentar-se para todo o impacto que a alimentação centrada em partes de animais mortos gera aos ecossistemas, mas isso não quer dizer que o ativismo vegano deva, cegamente, pegar carona em qualquer ambientalismo com repercussão midiática que aparecer, sob o risco de desvirtuar a importância ética do respeito aos animais como indivíduos e tornar o veganismo apenas um capataz dos aproveitadores - muitas vezes carnistas - do “momento verde”.

Entender o veganismo de forma ecossistêmica não é o mesmo que repetir acriticamente qualquer discurso existente sobre a questão ambiental sem atentar-se para quem está produzindo o discurso e quais podem ser seus objetivos. É preciso ficar alerta com as pretensões do ambientalismo e nunca perder de vista que o coração do veganismo é a abolição da escravidão dos animais, antes de qualquer outro benefício que essa libertação possa vir a gerar. Pegar carona no ambientalismo é, normalmente, pegar carona em um discurso que omite o sofrimento dos animais enquanto indivíduos. Disfarçar o veganismo como uma forma de ambientalismo é matar a essência do veganismo e, portanto, uma estratégia equivocada. É preciso saber reconhecer proximidades e distâncias entre tais discursos. O argumento ético do veganismo é profundamente coerente e tem, inclusive, a capacidade de gerar um pensamento ecológico mais coerentemente embasado.


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