Um vegano na festa (Crônica, 2009)



- Mas eu não como muita carne. E mais peixe.

Conheci Pedro em uma festa e essa foi a última frase que me dirigiu.

Por que obtive tal resposta, eu não sei. Estava apenas respondendo sua pergunta sobre o porquê de não achar eticamente correto se alimentar de animais. Ou melhor, tratar os animais como propriedade, cercear suas liberdades, impor-lhes sofrimento.

De qualquer forma, essa foi a última frase que me dirigiu. Talvez tenha estranhado meu longo silêncio.

Demorei pra responder ao Pedro pois tentei entender o que significa “não muita”. Dizem que em uma cadeia americana um colega de corredor de Charles Manson jurava ser mais nobre por ter matado três pessoas a menos. O carcereiro, ouvindo, os achava demoníacos. Quando queria alguém morto, pagava por serviços profissionalmente estabelecidos. Não seria certo matar com as próprias mãos. Às vezes, sim, precisava executar poucas pessoas, mas sempre por mandato das instâncias governamentais superiores. Legalmente correto, o que não caracteriza um crime, claro. Muito menos um pecado.

Talvez a confusão entre respeito e quantidade de sofrimento imposto seja uma questão importante para compreender nossa cultura.

Enfim, voltando ao Pedro, senti que ele esperava um sorriso de aprovação. Talvez fosse um grande zoólogo, possuidor da descoberta de que peixe é, em realidade, um vegetal que nasce em grandes florestas submarinas, dando voz, mais uma vez, à cultura popular e seus “frutos do mar”. Ou talvez, ainda, seja um grande botânico, que acaba de receber o prêmio Júlio Verne por suas contribuições a essa nobre ciência.

Na verdade, parte importante de meu silêncio foi tentando entender a diferença entre comer mais peixe ou mais boi. Talvez a carne branca invoque a paz, sei lá. Talvez tenha a ver com a Era de Peixes. Ou melhor, com a Era de Aquário, ao menos pelo nome mais adequada à atual condição de vida e liberdade dos animais da Terra. Vai entender a lógica de pensamento de cada um! Eu diria que não há lógica, apenas reprodução de hábitos e vícios de gerações anteriores, mas se dissesse isso ao meu novo conhecido, seria tido como arrogante. Chamar de ilógico em pleno pós-iluminismo... imoral tudo bem, mas ilógico nunca!

Fiquei também preocupado com a possibilidade de que ele achasse que o estava chamando de irracional. Fiquei com medo da reação, haja vista que não operar com mecanismos racionais, ou mesmo possuir outra racionalidade que não a humana, são erros graves, merecedores de condenação à prisão, tortura e morte. Assim está nas leis.

Respiro...

Tento recomeçar com calma o diálogo sem tão horrendo adjetivo. Queria achar alguma resposta para oferecê-lo, mas percebi que Pedro já estava longe, em direção ao bar. Fiquei aliviado, é verdade, embora angustiado, sempre.

E nem vou contar de Júlia, a pacifista garota que conheci pouco depois, tentando refrescar a cabeça e aproveitar a festa. Júlia não gostava do ambiente violento da cidade. Mudou-se para o campo, onde, aos finais de semana, saía para pescar com os amigos.

 



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